Também tu habitas, nesse outro lado da Lua. Fazes das penas o cobertor com que te deitas. E das extensas folhas em branco, riscas à memória o outro ser, uma outra história. No dobrar da esquina dessa Lua quadrada, vês a tua sombra que agora segue sozinha. Não há corpo nem voz que te levem por outro caminho. Vais sempre pela mesma estrada, dobras sempre a mesma esquina medonha. Não há braços, nem pernas, olhos ou boca, apenas uma silhueta, um corpo que reflecte na superfície, uma bandeira de um corpo magro. Também tu, tens a visão que te persegue por entre as ondas do voo nocturno, comem-te os olhos que não existem, e das labaredas dessa fome que te consome, salta o vislumbre de quem perdeu o antigo brilho. O segredo é uma leve vela de chama esbranquiçada, frágil que entristece o espírito. Vives na penumbra das aves de rapina, agora elas, também são as tuas companheiras, ansiosas pela carne mortiça. E no negrume que te cerca, revelam-se os mistérios da claridade atenuada, pelo ser que te habita. Não mais há outra história, apenas a história de um corpo cambaleante, que descansa por fim, nas duras penas da caneta da ilusão.
(Lúcia Machado)
2 comentários:
Afortunados quem sabe entranhar a Lua na tua descrição
Seja ele quem for, segreda-lhe, diz-lhe, e canta-lhe sempre.
Gostei muito da nova imagem do teu blog!
Um boa semana, um bjo grande
Fatima
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