“Como negar o quanto me dóis?!
Dói (s) -me no lado esquerdo do peito
Assim, como quem arranca a ferro e fogo as órbitas do rosto…”
Há muito tempo, lá na rua onde vivi, existia uma casa velhinha, paredes caiadas a branco gelo.
Nela vivia um amolador de tesouras, que se levantava pela alvorada.
Ele, costumava pegar no seu casaco de serapilheira grossa, no seu cão cegueta de um olho, e descia de bicicleta a rua ladrilhada a lágrimas geladas, e ainda de harmónica na boca tocava.
A música era triste e assobiava ao lado direito do coração, gemia baixinho as saudades de criança. Contava as subidas às árvores, e o correr descalço pela calçada em brasa. Falava ainda das fisgas, das amoras com açúcar e da cara lambuzada. Rezava a história de um menino de cabelo cor de cenoura, sardas e um dente fanado. Do sorriso amado pelos pais de uma criança. E como descia gargalhando aquela encosta, rebolando dentro de um bidão azul, da cor do céu. Fala dos carrinhos de rolamentos feitos de madeira e rodas “roubadas” , dos papagaios de papel que vivem com o vento. Das tocas dos grilos coçados pelas palhas das ervas douradas. Do cheiro da terra molhada e ainda da lágrima salgada do fim do Verão.
Lá na minha rua, vivia um amolador de facas, que dizia ao coração:
“Dói (s) - me no lado esquerdo do peito”
Saía todos os dias pela alvorada, fazia-se à estrada, em busca da meninice roubada.
(Lúcia Machado)
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